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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O.Noir - It's better in the dark.

Entre as dezenas de experiências incríveis que a viagem ao Canadá me proporcionou, a mais inusitada, talvez, tenha sido o jantar no O.Noir, em Montreal.  Foi a grande concessão luxuosa que fiz a mim mesma em matéria de refeições: saí da proposta econômica de “mochilão” e gastei, com gorjeta (15%) e tudo, quase 50 dólares canadenses em um único jantar.

Foi uma estripulia, é verdade, mas, também, um “desafio” pelo qual eu decidi que iria passar, desde o momento em que fiquei sabendo da existência de tal restaurante. E para mim, que estava buscando quase que um retiro espiritual nessa jornada solitária, era mandatória uma prova assim.

Como o próprio nome sugere, trata-se de um lugar onde se come na mais completa escuridão. A proposta é passar pela experiência de “ser cego”, como, de fato, são todos os garçons que lá trabalham.

O bar que dá boas vindas aos clientes – único lugar iluminado por onde passei – é decorado com pôsteres de filmes que remetem à deficiência visual. Lembro-me de “Perfume de Mulher”, “À Primeira Vista”, “Ensaio Sobre a Cegueira” e “Ray”.

Existe a possibilidade de escolher um prato do menu; mas há, também, a atraente alternativa de optar pelo ‘surprise dish’. Como eu não como carne vermelha, optei pelo prato que tinha peito de frango, sem, contudo, ler o resto do menu. Queria que os demais ingredientes fossem surpresa (torci com muita força para não vir arroz – seria um desastre total!). Estava disposta a testar a minha capacidade de reconhecer os acompanhamentos pelo gosto, cheiro, textura, formato (sim, eu apalpei tudo, antes de comer). Mas escolhi a ‘surprise desert’, que - ACHO - era uma torta de mousse de chocolate, com alguma frutinha azeda do tipo blueberry, ou algo parecido.

Mat foi quem me atendeu. Depois de eu estar ciente das “regras” do lugar – não são permitidos isqueiros, velas, celulares, câmeras fotográficas, lanternas ou qualquer tipo de luz, ÓBVIO – ele me chamou pelo nome (Laetitia, com um sotaque francês engraçadinho!), pediu que segurasse, com a minha mão esquerda, no ombro esquerdo dele (- Com firmeza!, ele brincou), e conduziu-me à minha mesa.

Enquanto Mat me guiava pela escuridão, comentei: - “Me sinto um pouco boba por estar usando óculos aqui!” E ele, dando risada, respondeu: -“De fato, eles não terão muita utilidade”. Depois, explicou detalhadamente o que eu deveria fazer e como os objetos estavam dispostos sobre a mesa.

Algum tempo mais tarde, Mat voltou com um prato, onde tinha um pão super quentinho e uma mini-embalagem de manteiga – que eu mesma teria que passar no pão, claro. Cortei-o sem grandes dificuldades, abri a manteiga e espalhei-a pelo pão. Moleza! Like a knife through butter!

A forma como ele entregava os pratos e os copos era bastante funcional. Mat  sempre chegava pela minha direita e dizia “Hi, Laetitia (com aquele sotaque bonitinho!)”, para denunciar que estava lá. Dizendo o que trazia, encostava o prato ou copo no meu ombro direito, de onde eu deveria pegá-los.  Ele me orientou para que eu deixasse o copo sempre encostado na parede, do lado esquerdo, para que ele não o derrubasse, quando fosse me servir.

No escuro, não me senti desesperada, aflita, ansiosa ou qualquer sentimento parecido. Fiquei lá, sentada confortavelmente, apreciando a comida, a minha companhia e a oportunidade de experimentar uma realidade que eu não conhecia. Foram momentos de meditação, de enorme concentração em mim mesma e no que eu estava fazendo. No início foi um pouco complicado, mas bastaram alguns minutos para que os meus olhos (e os demais sentidos) se acostumassem à escuridão (mesmo que eu continuasse sem enxergar absolutamente NADA).

Fiquei brincando de “perder” outros sentidos. Em silêncio - uma vez que fui sem acompanhante e a única pessoa com que eu interagia, quando necessário, era o Mat - fiquei testando como seria tapar os ouvidos, tampar o nariz, prender a respiração, fechar e abrir os olhos, para perceber se fazia alguma diferença. Apalpei tudo que estava ao meu alcance, de cima a baixo, de um lado a outro. Inseri-me no contexto com bastante tranquilidade.

Mas nem todos pareciam tão tranquilos. Foi interessante notar como o comportamento das pessoas mudava em uma situação extrema como aquela. Elas passavam a falar alto demais! Incomodava até. E, aí, tenho que confessar, me desviava por alguns minutos do processo meditatório no qual eu estava imersa.

O barulho chegava a ser tão grande que, às vezes, os garçons pediam para que diminuíssem o volume de voz, porque eles precisam escutar uns aos outros, para não se trombarem, enquanto caminham pelo restaurante. Será que alguém acha que a cegueira está atrelada à surdez? As pessoas realmente falavam MUITO alto. E, claro, sempre tinha alguém quebrando alguma louça.

Quando chegou o prato principal (peito de frango grelhado com batatas, vagens e tomates cozidos, e algum outro legume que não fui capaz de identificar) tentei usar garfo e faca. Desisti desta nos primeiros 10 minutos e passei a usar aquele na mão direita e a minha mão esquerda como talher “assistente”. Às vezes, acontecia de tentar colocar um pedaço de comida grande demais na boca e me divertia com a própria falta de destreza! Há de se levar em consideração o desafio acessório que trago comigo: tenho parestesia (falta de sensibilidade) no lábio inferior e no queixo. Por isso, além de tudo, nem sempre eu acertava onde estava minha boca.

A “irrealidade” da situação - o que me decepcionou um pouco - se fez perceber quando me dei conta de que poderia comportar-me da forma como eu bem entendesse, uma vez que ninguém, supostamente, estaria me vendo. Eu jamais me portaria à mesa daquela forma, se soubesse que outros me estavam observando. Será que estavam?

Gostaria de ver como ficou meu guardanapo depois do jantar. Não me deixaram. Adoraria ter tido filmado o meu comportamento durante a refeição. Não fazia parte do “pacote”. Ao menos me deixaram enxergar na hora de pagar pela comida. Foi um grande alívio! Eu já confundia os dólares canadenses de posse de todos os meus sentidos; imagina na escuridão!

A primeira coisa que fiz, quando saí do blecaute, conduzida novamente por Mat até o bar por onde entrara, foi olhar-me no espelho e conferir se tinha o rosto, o cabelo, as mãos, os dentes ou a roupa suja de comida. Estava tudo ok. Passara no teste.

É uma experiência que eu realmente recomendo para aqueles que querem ter a chance de entender um pouco mais de um mundo que grande parte de nós desconhece; que, literalmente, grande parte de nós não vê.

O O.Noir tem um papel importante em ações voltadas aos deficientes visuais, preparando-os e treinando-os para entrar no mercado de trabalho, empregando-os, doando parte dos lucros do restaurante a ONGs que dão assistência a cegos de todas as idades, e ensinando aos que enxergam um pouco mais do modo de vida dos deficientes visuais.

Saí de lá com duas sensações aparentemente contraditórias: a primeira, de que devo valorizar ainda mais o sentido da visão, que parece tão banal no meu dia a dia; a segunda, de que, apesar das dificuldades enfrentadas, é possível, sim, viver sem enxergar e, mais importante, ter qualidade de vida.

Além disso, hoje, mais do que nunca, tenho grande admiração pela capacidade de desempenho dos deficientes visuais. Porque, se “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, lá, naquele lugar, rei para mim era o Mat, que me guiava, orientava e se locomovia com a maior destreza do mundo, em meio àquela gritaria, entre as mesas e os demais garçons.

E para quem me perguntou como foi a experiência, depois do comentário engraçado – mas impróprio – do amigo que me recomendou o O.Noir, passei a responder com outra pergunta: - Você nunca transou no escuro? Então, é mais ou menos assim. No começo é confuso, depois flui naturalmente. 

Foto minha, jantando no O.Noir. Desculpa, eu precisava fazer essa piadinha!

7 comentários:

Carol Bianchini disse...

Que delicia de experiência Le!

Letticia Caruso disse...

Dá pra perceber pela foto, né?...hehehe

Carol Bianchini disse...

Menina, claro!! Deu pra VER tudo!!!

Eleonora disse...

Até chorei Le!
Incrível como você sente, sua emoção na experiência.

Jean T disse...

Se ja nao leu ... a MUST READ e' "Ensaio sobre a Cegueira" de Jose Saramago. AMAZING!
O filme tb vale a pena de ver. Direcao de Meireles. Filmado em SP, Guelph (cidade perto de Toronto) e Montevideo. Juliane More is amazing on it!

Letticia Caruso disse...

Eu li e vi o filme, Jean! :)

Unknown disse...

Que máximo essa experiência!!!
A D O R E I !!!!!