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sábado, 28 de agosto de 2010

... a minha-Saudade-dele...

Decidi, então, estabelecer uma política de boa vizinhança entre mim e a minha-Saudade-dele. Uma saudade imensa, de um passado não muito distante, que insiste em usar meu peito de abrigo. E aí fico, eu, à deriva Dela: a inabalável minha-Saudade-dele.
 
É uma saudade que vai comigo pra cama toda noite, acomoda-se confortavelmente nos meus lençóis e no meu travesseiro e me deseja “boa noite”. Assim mesmo, toda vez, sempre igual. E eu quase não durmo com Ela, ali, deitada esplendorosa e espaçosa no meu colchão.
 
Sendo assim, achei que era melhor parar de lutar contra Ela; não gastar tanta energia tentando empurrá-La para fora da cama (já que Ela se tem mostrado mais forte que eu), e ceder, resignada - no meu colchão, no meu peito e na minha vida - o espaço que Ela demanda. Com isso, espero enfrentar noites menos cansativas e sugadoras de vigor.
 
Porque a minha-Saudade-dele descobriu, em um enorme coração, imensa disponibilidade para recebê-La e nutrí-La de tudo aquilo que Ela precisa para continuar querendo estar. Assim, instalou-se. 

E ficou.
 
Não mais fugirei Dela. Quer ser dentro de mim? Seja! Fique o tempo que julgar necessário e mude-se tão logo estiver pronta para isso. Ou, de tanto existir, esgote-se dentro de mim; não importa... enquanto isso, sem grandes estardalhaços, eu simplesmente vou cuidando da minha vida. Não Dela.
 
É o nosso acordo tácito.
 
Talvez funcione: dedicar menos atenção e energia a Ela, apenas deixando-A existir, no canto que Ela escolheu. Fique, se precisar; vá, se puder. Por ora, é o que nos posso oferecer e, assim, não acentuar os sentimentos colaterais que Ela me causa. Que, aliás, são mais severos e prejudiciais que Ela própria.
 
Apenas não contem à minha-Saudade-dele: - mesmo, eventualmente, tendo Ela me deixado, sempre haverá uma frestinha pela qual Ela será capaz de passar e encontrar meu coração, de novo, disposto a alimentá-La. Essas frestinhas são as mais difíceis de vedar e eu, confesso, coleciono algumas.
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Ah, a frestinha? Recordações...

Não seria perfeito?

 "A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara pra faculdade. Você vai pro colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando....E termina tudo com um ótimo orgasmo!!! Não seria perfeito?" (Charles Chaplin)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Letras da vida


Temidos por muitos como chatos e complicados, os clássicos da literatura divertem, ensinam e (não menos importante) iluminam sua vida. Entre de cabeça.

[texto Bruno Moreschi]

Numa roda de amigos, a conversa é sobre literatura. Cada um revela ao outro o que está lendo. Num misto de esnobismo e insegurança, alguém diz que está “relendo” determinado livrão clássico. Mentira. Receoso de colocar em questão sua reputação intelectual, a pessoa dificilmente assumiria que lê pela primeira vez alguma obra conhecida, como um Hamlet, do inglês William Shakespeare, ou um Crime e Castigo, do russo Fiódor Dostoiévski.

O escritor italiano Italo Calvino começou sua obra Por Que Ler os Clássicos, um pertinente ensaio sobre a importância da leitura desses livros, tratando justamente dessa atitude que recende a hipocrisia. De acordo com Calvino, não há idade para começar a ler um livro considerado famoso e respeitado pela crítica. E complementa com um recado consolador aos que temem assumir em público sua incipiente capacidade literária: “Por maiores que possam ser as leituras de formação de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que ele não leu.”

A frase de Calvino destoa dos inúmeros preconceitos que cercam a literatura considerada clássica pela crítica especializada – ou canônica, numa classificação mais acadêmica. Graças aos inúmeros estudos sobre essas obras, elas podem passar a falsa impressão de serem leituras destinadas apenas a seletos (e eruditos) especialistas.

Isso não é uma verdade. Livros, sejam eles respeitados ou não, foram feitos por seus autores para serem lidos. Na verdade, quem teme ou apenas usa os livros clássicos como grife intelectual tenta se proteger. Ao evitar suas páginas, ficam livres de uma experiência que quase sempre questiona nossas certezas e sugere um mundo mais complexo. Trata-se de uma proteção revestida do mais ignorante dos medos. Aquele alimentado por ideias ditas pelos outros, não por uma experiência individual de leitura.

sábado, 14 de agosto de 2010

on Being Happy

Lucy : - Look at that crazy dog...
Charlie Brown : - I sure wish I could be that happy all the time.
Lucy : - Not me... It's hard to feel sorry for yourself when you're happy.

domingo, 8 de agosto de 2010

Maturidade.

Depois de umas peças que a vida me pregou no começo desse ano, eu o escolhi como o ano de virar “gente-grande”. Mas as coisas não têm funcionado exatamente como eu planejei.

A minha maturidade – e junto com ela, minha paz de espírito e minha felicidade – pegou a chave do carro, o agasalho surrado e saiu, explicando que ia comprar cigarros. Não voltou até agora.

E sem ela, não consigo nem fingir que sou uma pessoa equilibrada, paciente, simpática, amorosa e gentil. Sem ela, não consigo achar o lugar certo para esconder tudo aquilo que eu não deveria ser. Sem ela, fico cultivando essa relação de amor e ódio comigo mesma e com a minha vida. Sem ela, não consigo ser feliz.

E eu nem preciso de muito para ser feliz: só da minha maturidade de volta, com cara de arrependida, batendo à minha porta, dizendo que nunca mais vai me abandonar. É querer muito?

Mas, claro, se querer bastasse, eu seria a personificação do porão, abarrotado de tranqueiras desnecessárias e sem uso que as pessoas acumulam.


 Maturidade, volta pra mim, volta.

sábado, 7 de agosto de 2010

Claustrofobia.

Andava pela rua, fria, com a mesma dor de cabeça do dia anterior. Ia em busca de um lugar tranquilo o suficiente para uma dose de leitura; de um local onde a sensação de claustrofobia espiritual fosse, no mínimo, suportável.
 
Sentia falta da solidão prazerosa que a acompanhara durante o mês anterior; era evidente que sentia. Ficar sozinha era do que ela precisava. Porque, estando de volta à rotina, já não conseguia descobrir espaço para o encontro com a solidão e com as coisas de que sua mente se precisa nutrir. Não lhe foram permitidos, desde sua volta, muitos momentos de tranquilidade: para ler, escrever, pensar, ouvir música, rir, chorar, rezar, meditar... Havia sempre alguma interrupção.
 
Enquanto andava, pensava na conversa do dia anterior. Toda aquela troca continha um fundo de paz e verdade, de fato. Pensando assim, parecia não importar se aquilo lhe fora dito por um amigo, um familiar, um conselheiro, um simples conhecido ou um anjo.
 
Ter ouvido e pensado em tudo aquilo esclarecera alguns pontos da situação; embora tenha plantado interrogações em tantos outros. Como seria bom perder um pouco dessa complexidade que a tudo busca interpretar!
 
A direção, então, parecia seguir um contexto apoiado em um misto de razão e emoção; de realidade e fantasia. Aquela velha lógica singular que parece transcender a compreensão.
 
Andou em direção ao parque – desde que “aprendeu” aquele caminho, sempre que se distrai, acaba sentada em um de seus bancos – de posse de um livro, um caderninho e uma caneta, cuja tinta já quase chega ao fim.
 
Escolheu um banco. Não leu. Pensou. Chorou. Escreveu.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O que eu quero.

Quero reler três ou quatro dos muitos livros que você, tão generosamente, compartilhou comigo. Que tanto me acrescentaram e dos quais tanto sinto falta. Aqueles mesmo, que devolvi cheios de ‘post-it’, com comentários pessoais, metáforas, explicações, dúvidas e analogias que queria dividir com você. Quero deixar mais dos já tradicionais bilhetinhos de agradecimento, dentro das leituras que você, carinhosamente, seleciona, sugere e empresta.

Quero, sem medo nenhum, abrir-me a tudo àquilo que a você compete me ensinar. Quero me sentir desafiada (você sabe como os desafios me divertem e estimulam), e até intimidada, por sua cultura e inteligência, por sua maturidade e serenidade. Porque tão poucos as possuem de forma tão atraente!

Quero nos olhar refletidos no espelho e achar a cena tão linda, que mereça ser fotografada.

Quero mais conversas em bancos de parque, mais almoços intermináveis em restaurantes vegetarianos ao ar livre, mais noites regadas a pão integral, vinho tinto seco e queijos de todo tipo. Quero apreciar mais noites estreladas, caminhando de mãos dadas com você, depois de um bom chocolate quente. Quero compartilhar mais epifanias e momentos de cumplicidade total, sem máscaras, sem pudores, sendo apenas você e eu.

Quero experimentar mais das nossas relações de gentileza e civilidade, em tempos tão hostis. Quero testemunhar seu sonambulismo, enquanto leio, insone, madrugada adentro. Quero sentir-me ‘repleta’ (que, nós dois sabemos, nada tem a ver com precisar do outro para sentir-se ‘completo’), simplesmente por tê-lo ao meu lado, dividindo o mesmo edredom. Quero ter um sorriso roubado quando me beijar a mão, durante o sono, completamente inconsciente. Quero receber o seu “melhor bom dia”.

Quero mais conversas “carregadas”, tão comuns e necessárias a pessoas profundas e complexas como nós dois. Quero me encontrar no seu equilíbrio e desvendar todas as suas metades. Porque você não possui somente duas. Quero descobrir e encontrar novas afinidades e identificações entre nós dois, se isso não for pretensão da minha parte, sendo você essa pessoa tão especial que é.

Quero ouvir Jack Johnson ao som das cordas do seu violão e da sua voz suave e tão querida.

Quero cometer todos aqueles erros comuns que fotógrafos, iniciantes como eu, cometem em relação à luz, foco, composição, criatividade, fotometria e, ainda assim, saber que você considera minhas fotos dignas de ilustrar seu blog e sua vida.

Quero parar de bradar que ser independente é provar para tanta gente que não me diz respeito, que posso ir além dos meus limites. Porque nem sempre posso. Mas quero que você descubra minha independência como algo genuíno.

Quero que me apresente, em vídeo, a mais autores, que primeiro me apresentou em leituras, que eu antes desconhecia. E quero, eu mesma, apresentá-lo a tantos livros, filmes, documentários e artigos legais e, até, a uma roupa nova que quero muito que você veja. Porque me imaginei usando-a para você quando a escolhi.

Na verdade, penso muito em você e naquilo que fizemos. O que me leva, acima de tudo, a querer aquilo que ainda não fizemos. Aquela palavra ‘latente’ que, eu sei, você não gosta, lateja forte dentro de mim.

Eu quero você. Por inúmeros motivos e por motivo nenhum. Simplesmente por querer. Mas se lembre: querer, para mim, nunca foi precisar.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O.Noir - It's better in the dark.

Entre as dezenas de experiências incríveis que a viagem ao Canadá me proporcionou, a mais inusitada, talvez, tenha sido o jantar no O.Noir, em Montreal.  Foi a grande concessão luxuosa que fiz a mim mesma em matéria de refeições: saí da proposta econômica de “mochilão” e gastei, com gorjeta (15%) e tudo, quase 50 dólares canadenses em um único jantar.

Foi uma estripulia, é verdade, mas, também, um “desafio” pelo qual eu decidi que iria passar, desde o momento em que fiquei sabendo da existência de tal restaurante. E para mim, que estava buscando quase que um retiro espiritual nessa jornada solitária, era mandatória uma prova assim.

Como o próprio nome sugere, trata-se de um lugar onde se come na mais completa escuridão. A proposta é passar pela experiência de “ser cego”, como, de fato, são todos os garçons que lá trabalham.

O bar que dá boas vindas aos clientes – único lugar iluminado por onde passei – é decorado com pôsteres de filmes que remetem à deficiência visual. Lembro-me de “Perfume de Mulher”, “À Primeira Vista”, “Ensaio Sobre a Cegueira” e “Ray”.

Existe a possibilidade de escolher um prato do menu; mas há, também, a atraente alternativa de optar pelo ‘surprise dish’. Como eu não como carne vermelha, optei pelo prato que tinha peito de frango, sem, contudo, ler o resto do menu. Queria que os demais ingredientes fossem surpresa (torci com muita força para não vir arroz – seria um desastre total!). Estava disposta a testar a minha capacidade de reconhecer os acompanhamentos pelo gosto, cheiro, textura, formato (sim, eu apalpei tudo, antes de comer). Mas escolhi a ‘surprise desert’, que - ACHO - era uma torta de mousse de chocolate, com alguma frutinha azeda do tipo blueberry, ou algo parecido.

Mat foi quem me atendeu. Depois de eu estar ciente das “regras” do lugar – não são permitidos isqueiros, velas, celulares, câmeras fotográficas, lanternas ou qualquer tipo de luz, ÓBVIO – ele me chamou pelo nome (Laetitia, com um sotaque francês engraçadinho!), pediu que segurasse, com a minha mão esquerda, no ombro esquerdo dele (- Com firmeza!, ele brincou), e conduziu-me à minha mesa.

Enquanto Mat me guiava pela escuridão, comentei: - “Me sinto um pouco boba por estar usando óculos aqui!” E ele, dando risada, respondeu: -“De fato, eles não terão muita utilidade”. Depois, explicou detalhadamente o que eu deveria fazer e como os objetos estavam dispostos sobre a mesa.

Algum tempo mais tarde, Mat voltou com um prato, onde tinha um pão super quentinho e uma mini-embalagem de manteiga – que eu mesma teria que passar no pão, claro. Cortei-o sem grandes dificuldades, abri a manteiga e espalhei-a pelo pão. Moleza! Like a knife through butter!

A forma como ele entregava os pratos e os copos era bastante funcional. Mat  sempre chegava pela minha direita e dizia “Hi, Laetitia (com aquele sotaque bonitinho!)”, para denunciar que estava lá. Dizendo o que trazia, encostava o prato ou copo no meu ombro direito, de onde eu deveria pegá-los.  Ele me orientou para que eu deixasse o copo sempre encostado na parede, do lado esquerdo, para que ele não o derrubasse, quando fosse me servir.

No escuro, não me senti desesperada, aflita, ansiosa ou qualquer sentimento parecido. Fiquei lá, sentada confortavelmente, apreciando a comida, a minha companhia e a oportunidade de experimentar uma realidade que eu não conhecia. Foram momentos de meditação, de enorme concentração em mim mesma e no que eu estava fazendo. No início foi um pouco complicado, mas bastaram alguns minutos para que os meus olhos (e os demais sentidos) se acostumassem à escuridão (mesmo que eu continuasse sem enxergar absolutamente NADA).

Fiquei brincando de “perder” outros sentidos. Em silêncio - uma vez que fui sem acompanhante e a única pessoa com que eu interagia, quando necessário, era o Mat - fiquei testando como seria tapar os ouvidos, tampar o nariz, prender a respiração, fechar e abrir os olhos, para perceber se fazia alguma diferença. Apalpei tudo que estava ao meu alcance, de cima a baixo, de um lado a outro. Inseri-me no contexto com bastante tranquilidade.

Mas nem todos pareciam tão tranquilos. Foi interessante notar como o comportamento das pessoas mudava em uma situação extrema como aquela. Elas passavam a falar alto demais! Incomodava até. E, aí, tenho que confessar, me desviava por alguns minutos do processo meditatório no qual eu estava imersa.

O barulho chegava a ser tão grande que, às vezes, os garçons pediam para que diminuíssem o volume de voz, porque eles precisam escutar uns aos outros, para não se trombarem, enquanto caminham pelo restaurante. Será que alguém acha que a cegueira está atrelada à surdez? As pessoas realmente falavam MUITO alto. E, claro, sempre tinha alguém quebrando alguma louça.

Quando chegou o prato principal (peito de frango grelhado com batatas, vagens e tomates cozidos, e algum outro legume que não fui capaz de identificar) tentei usar garfo e faca. Desisti desta nos primeiros 10 minutos e passei a usar aquele na mão direita e a minha mão esquerda como talher “assistente”. Às vezes, acontecia de tentar colocar um pedaço de comida grande demais na boca e me divertia com a própria falta de destreza! Há de se levar em consideração o desafio acessório que trago comigo: tenho parestesia (falta de sensibilidade) no lábio inferior e no queixo. Por isso, além de tudo, nem sempre eu acertava onde estava minha boca.

A “irrealidade” da situação - o que me decepcionou um pouco - se fez perceber quando me dei conta de que poderia comportar-me da forma como eu bem entendesse, uma vez que ninguém, supostamente, estaria me vendo. Eu jamais me portaria à mesa daquela forma, se soubesse que outros me estavam observando. Será que estavam?

Gostaria de ver como ficou meu guardanapo depois do jantar. Não me deixaram. Adoraria ter tido filmado o meu comportamento durante a refeição. Não fazia parte do “pacote”. Ao menos me deixaram enxergar na hora de pagar pela comida. Foi um grande alívio! Eu já confundia os dólares canadenses de posse de todos os meus sentidos; imagina na escuridão!

A primeira coisa que fiz, quando saí do blecaute, conduzida novamente por Mat até o bar por onde entrara, foi olhar-me no espelho e conferir se tinha o rosto, o cabelo, as mãos, os dentes ou a roupa suja de comida. Estava tudo ok. Passara no teste.

É uma experiência que eu realmente recomendo para aqueles que querem ter a chance de entender um pouco mais de um mundo que grande parte de nós desconhece; que, literalmente, grande parte de nós não vê.

O O.Noir tem um papel importante em ações voltadas aos deficientes visuais, preparando-os e treinando-os para entrar no mercado de trabalho, empregando-os, doando parte dos lucros do restaurante a ONGs que dão assistência a cegos de todas as idades, e ensinando aos que enxergam um pouco mais do modo de vida dos deficientes visuais.

Saí de lá com duas sensações aparentemente contraditórias: a primeira, de que devo valorizar ainda mais o sentido da visão, que parece tão banal no meu dia a dia; a segunda, de que, apesar das dificuldades enfrentadas, é possível, sim, viver sem enxergar e, mais importante, ter qualidade de vida.

Além disso, hoje, mais do que nunca, tenho grande admiração pela capacidade de desempenho dos deficientes visuais. Porque, se “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, lá, naquele lugar, rei para mim era o Mat, que me guiava, orientava e se locomovia com a maior destreza do mundo, em meio àquela gritaria, entre as mesas e os demais garçons.

E para quem me perguntou como foi a experiência, depois do comentário engraçado – mas impróprio – do amigo que me recomendou o O.Noir, passei a responder com outra pergunta: - Você nunca transou no escuro? Então, é mais ou menos assim. No começo é confuso, depois flui naturalmente. 

Foto minha, jantando no O.Noir. Desculpa, eu precisava fazer essa piadinha!

domingo, 1 de agosto de 2010

My Canadian Experience

Como acontece com o povo brasileiro, também não é possível identificar o canadense pela “cara”. E, se não tem cara, o Canadá tampouco tem uma culinária, uma dança, uma música ou uma arquitetura típicas. É um país essencialmente de imigrantes, que os recebe – assim como seus costumes, suas crenças e culturas – de braços abertos.

O Canadá é, provavelmente, a nação mais tolerante do mundo e ostenta uma das populações mais cosmopolitas do planeta – mais de 200 etnias estão representadas no país. A cidade de Toronto é o retrato mais óbvio dessa pluralidade.

Uma em cada seis pessoas que vivem no Canadá não nasceu lá; mais de 40% dos residentes não são descendentes de franceses ou ingleses. Em nenhum outro lugar do mundo há tanta diversidade cultural convivendo em harmonia.

Diferente dos EUA, onde, para se conseguir a cidadania americana, é necessário que se assuma o ‘american way of life’, o governo canadense estimula a preservação dos costumes e estilo de vida de cada imigrante. A tolerância e a paz reinam naquela terra gigante. A única coisa que o Canadá não tolera é a intolerância.

Além da cultura do plural, do direito sagrado de divergir, o Canadá se mostra uma verdadeira terra de concessões, onde nada é feio ou ridículo. Às pessoas é dado o direito total e irrestrito de serem quem desejam ser. Ninguém no Canadá se destaca da multidão, porque lá não existe o incomum. Incomum é ser “normal”.

Ninguém liga se você é branco, preto, amarelo, azul ou verde; se você é norte americano, europeu, asiático, marciano ou lunático; se você é protestante, espírita, budista, muçulmano, judeu, agnóstico ou ateu; se você acredita em um, nenhum ou em vários deuses; se você é hetero, homo, bi ou tri – só o Brasil que não podia ser hexa. 

Nas ruas, as pessoas não têm a preocupação de estarem bem vestidas, penteadas, com a roupa impecavelmente passada a ferro. Ninguém repara se o outro tem o cabelo de 3 ou 4 cores, se a calça está rasgada ou se o soutien por baixo da blusa transparente é vermelho .

Ninguém liga se você usa meia com chinelo, tiara de estrela que brilha no escuro ou se anda de bicicleta vestido de Papai Noel, em pleno julho, no centro da maior cidade do país. Ninguém repara se suas unhas estão mal feitas, se o salto é alto demais ou se a saia tem pano de menos. Ninguém o recrimina por você dançar feito um espantalho ou cantar com voz de taquara rachada no metrô ou no meio da rua. Ninguém ri da camisa laranja com flores vermelhas do velhinho sentado ao lado no banco do ônibus ou do short da mocinha acima do peso mostrando mais do que seria razoável mostrar em qualquer outro país do mundo.

Mas lá é o Canadá.

Tudo isso pode parecer complexo e intimidador em um primeiro momento, mas logo fica claro que a união de grandes e pequenas culturas do mundo propulsiona um desenvolvimento abrangente e inclusivo, que só tem a agregar à cultura local. E que não pode ser visto em nenhum outro lugar.

Se você está se sentindo meio fora de contexto no seu país, o Canadá pode ser uma boa opção. Lá, você pode ser você mesmo; ninguém vai reparar. Afinal, trata-se do Canadá.

Mas, saiba disso: o que é proibido por lei é severamente punido. Por isso, também, o Canadá é um dos países mais seguros do mundo, com elevadíssima qualidade de vida.

Passar 23 dias em um lugar assim, tão permissivo, exacerbou as minhas tendências de ser um pouco relaxada com a minha aparência. Eu brinco que o Canadá me fez mal nesse sentido. Estava sozinha e não tinha ninguém pra me julgar se eu usasse dois dias seguidos a mesma roupa, se saísse sem disfarçar as olheiras com corretivo, sem alisar a franja no secador, sem lixar as unhas - detonadas pelo ato de fazer e desfazer mala a cada 3 ou 4 dias -, usando roupa sem passar e sem lavar o cabelo todo dia. Eu simplesmente fazia um coque no alto da cabeça, mochila nas costas, e saía pelas ruas, sem compromisso com nada. Sem me preocupar com o que podiam estar pensando de mim. E provavelmente não estivessem pensando nada, porque, afinal, eu estava no Canadá. E lá qualquer um se encaixa; nada destoa do contexto geral.

Lugar ideal para boas férias; para ser quem se é!